
“Utilização da madeira tratada no Brasil – opção real ou regulador de mercado? Posicionamento
frente a alternativas” foi o tema do terceiro bloco da WoodProtection, que contou com cinco
conceituados palestrantes atuantes em três dos principais mercados de madeira tratada –
ferroviário, elétrico, construção civil: Leonardo Souza Soares, engenheiro elétrico; pósgraduação
em Engenharia de Transporte Ferroviário de Carga, gerente de engenharia da
Rumo Logística Operadora Multimodal S.A; Nilton dos Santos Filho, engenheiro elétrico,
assessor independente e ex-colaborador da CEMIG; Carlito Calil Junior, engenheiro civil,
mestrado em Engenharia de Estruturas (USP), doutorado em Engenharia Industrial
(Universidade Politécnica de Catalunya/ESP), pós-doutorado em Estruturas de Madera (Forest
Products Laboratory, EUA), chefe do Laboratório de Madeiras e de Estruturas de Madeira
(LaMEM) do Departamento de Engenharia de Estruturas da USP; Alan Dias, diretor da
Carpinteria Estruturas de Madeira; e Guilherme Correa Stamato, engenheiro civil, mestrado,
doutorado e pós-doutorado em Estruturas com Ênfase em Estruturas de Madeira pela USP São
Carlos, diretor executivo da Stamade Consultoria em Estrutura de Madeira.
A primeira palestra (Dormentes ferroviários) foi do gerente de engenharia da Rumo que
apresentou números grandiosos: são aproximadamente 12 mil quilômetros de vias férreas, o
que totaliza 21,6 milhões de dormentes instalados de cinco tipos – eucalipto (54%), madeira de
lei (26%), concreto, aço e plástico. Apesar dos percentuais favoráveis à madeira, Soares
explicou que as ferrovias estão migrando naturalmente para outros produtos diante de
dificuldades, principalmente em relação à durabilidade, pois cada vez que é necessário trocar
um dormente, é preciso parar uma grande quantidade de trens. Ele destacou que os aspectos
que mais contribuem para a redução de vida útil das peças são os biológicos (fungos,
bactérias, insetos), físicos (fogo, calor, umidade), e mecânicos (rachaduras e desgastes), e
citou os principais defeitos encontrados em dormentes de madeira tratada: fendilhamento
longitudinal, presença de casca, racha anelar, nó na região de fixação da placa, esmoado
longitudinal atingindo região de fixação, esmoado com bolsa de resina e apodrecimento.
Soares também falou sobre os quatro indicadores de decisão para utilização (ou não) da
madeira tratada e deu exemplos de cada um: legais (origem ilegal da madeira, mudanças na
legislação ambiental), financeiros (custos logísticos elevados para transportar as peças até as
unidades de tratamento), processuais (demora no prazo para entrega de dormentes de melhor
qualidade), técnicos (dificuldade de comprovar se o fornecimento está de acordo com as
especificações técnicas, descarte dos dormentes). E concluiu com os principais desafios para
que os dormentes de madeira tratada sejam mais competitivos: aumento de vida útil (total e
entre manutenções), redução dos custos de manutenção, melhoria de resistência a chamas
(serviços de esmerilhamento e soldagem), redução do número de intervenções com o
incremento de qualidade. De acordo com o engenheiro, dormentes que conseguem unir custos
de instalação com as necessidades práticas garantem um futuro promissor em qualquer
ferrovia.
Na sequência, o assunto foi Postes e cruzetas para redes de distribuição e linhas de
transmissão sob responsabilidade de Nilton dos Santos Filho, que logo de início fez questão
de frisar diversos pontos positivos dos postes e cruzetas de madeira: insumos efetivos no
sistema elétrico nacional e internacional, apesar de alvos constantes de preconceito gerado
principalmente pelo desconhecimento; vida útil longa e indefinida se obedecidos os
procedimentos básicos de fabricação, inspeção e manutenção; vantagens de custos,
manuseio, transporte, instalação e isolamento elétrico; normas técnicas (NBR 16202:2013 e
NBR 16201:2013). Por outro lado, existem problemas como o aparecimento de novos
produtores que oferecem preços muito abaixo dos praticados, porém com prejuízo na
qualidade; a utilização de espécies e clones inadequados à produção de postes e cruzetas que
deveriam ser barrados nas inspeções de recebimento; e a definição da ANEEL que classifica
recursos de inspeção e manutenção como despesas e não como investimentos.
Para finalizar, Santos fez algumas considerações – 1) os insumos estão aptos às necessidades
do sistema elétrico, com qualidade comprovada, bom acabamento, resistência mecânica,
durabilidade, superior isolamento elétrico (NBI) o que reduz significativamente as ocorrências
por descargas atmosféricas; 2) estruturas metálicas têm baixo NBI que prejudicam o
desempenho elétrico; 3) cruzetas de plástico têm apresentado falhas após alguns anos de
exposição; 4) soluções alternativas, principalmente em fibra de vidro, estão se consolidando no
mercado nacional, embora ainda sem comprovação real de vida útil – e recomendações:
incentivar nas escolas técnicas e universidades maior atenção e profundidade sobre o assunto;
e valorizar iniciativas importantes como o “Qualitrat” que garante a qualidade e a legalidade do
produto fornecido.
Componentes estruturais para pontes e obras de infraestrutura foi o tema da palestra do
professor Calil, que começou por informar que o estado de São Paulo tem 1.100 km de pontes,
dos quais 30% precisam ser reparados ou reconstruídos, e que pinus e eucalipto são soluções
naturais. De acordo com o especialista, um grande problema é a maioria das pontes não ser
projetada e construída por profissionais especializados, resultado em estruturas caras,
inseguras e de baixa durabilidade, e pior, o atual estágio de degradação em que se encontram
acaba gerando uma percepção negativa da madeira como material estrutural. Calil fez questão
de ressaltar a importância da NBR 16.143:2013 – Preservação de madeiras – sistema de
categoria de uso, ferramenta que auxilia engenheiros e arquitetos a decidirem a espécie de
madeira e o tratamento adequado para que não ocorram ataques de insetos e apodrecimento
do material, aumentando a vida útil do sistema construtivo.
O professor falou sobre o “Programa emergencial das pontes de madeira para o estado de São
Paulo”, implantado em 2006, com o objetivo de desenvolver novas tecnologias para a
construção de pontes de madeira, avaliar e aprimorar tecnologias já existentes e adaptar
tecnologias atualmente em desenvolvimento no exterior para as condições nacionais visando :
1) a construção de pontes seguras em madeira com durabilidade compatível com a de outros
materiais estruturais e a um custo competitivo; 2) a ampla divulgação dos sistemas construtivos
e estruturais por meio de construção de pontes demonstrativas, cursos de extensão e
publicações em revistas e congressos nacionais e internacionais. Em 10 anos de existência, o
programa já construiu 20 pontes mistas de madeira/concreto; duas de madeira laminada
protendida; duas em vigas roliças; uma em MLC ainda em construção; quatro cursos de projeto
e construção de pontes de madeira para engenheiros da DER e de diversas prefeituras do
estado de SP; dois softwares para projeto e dimensionamento de pontes em vigas roliças e em
tabuleiro protendido; além de várias publicações para projeto e construção de pontes.
Alan Dias fez a quarta palestra, Madeira tratada na engenharia e arquitetura. Ele contou que
seu primeiro contato com madeira tratada foi em 1998, fazendo deck de pinus, e 8 anos depois,
contratado por uma empresa do Espírito Santo, teve o primeiro contato com madeira roliça,
onde aprendeu a domar a madeira (eucalipto). Em 2010, junto com um sócio, criou a
Carpintería com o intuito de trabalhar com as estruturas de madeira de modo técnico e criativo.
Dentre as dezenas de imagens de projetos criados por ele e/ou sua empresa, exibidas na
apresentação, estão a Torre Igaratá, de 30m, equivalente a um prédio de 10 andares, para
observação de pássaros; a Escola da Fazenda, em Santa Catarina, com 25m de vão livre; o
Galpão Cubatão, de 20.000 m2
, pré-fabricado e montados em apenas 10 dias; o Projeto
Maloca, na Universidade de Brasília, uma grande oca de eucalipto roliço tratado onde os índios
estudam; e o pergolado do bondinho do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.
Mas o destaque fica por conta da Praça de Alimentação do Shopping Iguatemi, em Fortaleza
(CE), projetada, em conjunto com a Moretti Interholz (Itália) para ser uma grande pérgola de
madeira, proporcionando bem estar e aconchego aos frequentadores. Toda estrutura é de
madeira laminada colada (tratada) de abeto produzida na Itália, utilizando matéria prima de
florestas plantadas da Áustria: 1.200 m3 de madeira reta e curva, 18m de altura e vãos livres de
até 48m. As peças foram cortadas na máquina CNC (Computer Numeric Control), que lê o
desenho de CAD e interpreta os cortes realizando-os automaticamente, fazendo com que furos
e encaixes sejam precisos. O engenheiro também frisou que desde que foi publicada pela
ABNT, utiliza a NBR 16143 na fase de elaboração de projetos.
A última, mas não por isso menos importante, palestra do bloco 3, Estruturas industrializadas
para coberturas, ficou à cargo de Guilherme Stamato que no, primeiro slide de sua
apresentação, destacou que a industrialização das estruturas de madeira está diretamente
ligada ao consumo de madeira de reflorestamento, e que deve seguir a NBR 16.143:2013. De
acordo com ele, as duas principais formas de estruturas industrializadas para cobertura no
Brasil são: 1) madeira laminada colada, mais voltada para residências de alto padrão, um nicho
bem interessante, que tem crescido muito no país; 2) treliças, usadas principalmente em
construções populares, do tipo Minha Casa Minha Vida 1 2 3, mas que poderiam ser utilizadas
em qualquer telhado no Brasil. O engenheiro salientou ainda que o telhado convencional é feito
com treliças, terças, caibros, ripas e telhas, e o industrializado apenas com treliças, ripas e
telhas o que simplifica a montagem e reduz custos com mão de obra e material.
Stamato afirmou que a madeira de qualidade ainda não é um produto de prateleira no Brasil e,
por conta disso, a demanda existente que poderia ser suprida por esse material, está sendo
dada de bandeja para outro tipo de sistema construtivo. Tanto é que, em 2008, a CDHU decidiu
substituir madeira por estrutura metálica nos telhados, medida que segundo a entidade “visa
preservar o meio ambiente, agilizar as obras e reduzir os custos com transporte, entre outros
benefícios”, e que foi reproduzida em diversas prefeituras. Para ele, a desunião do setor, a falta
de padronização do produto, e a baixa adesão ao Qualitrat, que ainda não reflete uma ação
setorial, são fatores que colaboram para a madeira ser desacreditada no mercado. Stamato
terminou sua apresentação com duas perguntas: quais empresas são as maiores interessadas
em aumentar o volume de madeira consumido no Brasil? E o que essas empresas estão
fazendo em relação a isso?
“Para a ABPM foi uma grande alegria ver profissionais como o professor Calil, Alan Dias e
Guilherme Stamato mencionarem a NBR 16.143, norma técnica que, entre reuniões, redações,
consultas públicas e revisões, demorou mais de uma década para ser publicada pela ABNT,
mas que se tornou imprescindível para quem trabalha com madeira tratada na construção civil”,
declarou Gonzalo A. Carballeira Lopez, presidente da entidade. “O setor tem muitos desafios
que podem ser encarados como oportunidades, porém precisa se fortalecer em torno de um
representante legítimo, que fale em nome do segmento. Por essa razão, aproveitamos para
reiterar nosso convite: associe-se à ABPM, caso ainda não o tenha feito”, completou Lopez.
Por Info – ABPM
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