Como a alta do dólar afeta as transações de M&A no Brasil?

*Por Adam Patterson

“Fragilidade é a qualidade das coisas que são vulneráveis à volatilidade” como diz o renomado estatístico norte-americano Nassim Nicholas Taleb. Pois bem, a desvalorização recorde do Real brasileiro, que chegou a bater R$ 6,00 em novembro, maior nível desde o início do plano real em 1994, é um sinal de alerta das perspectivas econômicas do país e reflexo claro da falta de confiança na atual política fiscal do governo.

Como ponto de partida, proponho olharmos os números: desde o início do ano a moeda brasileira tem perdido perto de 20% do seu valor contra o dólar. A volatilidade no ano, medida pelo desvio padrão, está em quase 30%, percentual mais que o dobro em comparação com 2023. De acordo com informações do mercado, o Real é a sétima moeda que mais se desvalorizou no mundo em 2024. E esses patamares altos pressionam a inflação, impactam no custo dos produtos importados e limitam a possibilidade de cortes na taxa de juros que, em termos gerais, ajudariam a estimular o consumo e o investimento.

Para o mercado de Fusões & Aquisições (M&A), os juros elevados freiam o apetite por transações, já que o custo do capital encarece e reduz a liquidez disponível. Nossa análise aponta para fortes correlações estatísticas entre variáveis econômicas como o câmbio e a Selic e a atividade geral de fusões e aquisições.

Claro, em teoria, a queda do Real torna os ativos brasileiros mais baratos para investidores estrangeiros, mas essa “oportunidade” vem acompanhada de um menor retorno em fluxo de caixa e maior risco de volatilidade. Afinal, risco e retorno são dois lados da mesma moeda. Além do mais, os valuations das empresas listadas brasileiras têm apresentado tendência de alta desde 2022, ou seja, já vêm valorizando.

Neste contexto, a incerteza cambial cria uma camada extra de cautela: investidores não apenas observam o preço dos ativos, mas ponderam a possibilidade de uma desvalorização adicional e perspectivas futuras, o que reduziria os ganhos ou até mesmo ampliaria as perdas futuras. Conforme diz o ditado, “o que é barato hoje pode ficar mais barato amanhã”. Então, há dois pontos importantes para ressaltar aqui: para o mercado financeiro, é a falta de estabilidade e previsibilidade que dificulta a tomada de decisões, além da preocupação que a desvalorização da moeda seja somente a ponta de um iceberg, sinalizando riscos potencialmente maiores abaixo da superfície.

O esperado ciclo de queda de juros, com expectativa de impacto positivo no universo de ações, foi interrompido em maio de 2024 e nos últimos meses agentes do mercado já vêm aumentando suas expectativas para os juros, a inflação e o déficit fiscal, levando os investidores estrangeiros a retirarem R$ 28,6 bilhões da Bolsa de Valores de janeiro a setembro de 2024 e contribuindo com a performance negativa do índice no acumulado do ano.

Neste jogo, agora temos um novo fator externo: o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, com seu discurso de promulgar novas tarifas, impostos mais baixos e desregulamentação, que podem impulsionar o crescimento e a inflação e, assim, limitar a capacidade do Federal Reserve em reduzir as taxas de juros, o que seria “dollar positive” na terminologia do mercado.

Ressalto aqui que a taxa de juros nos EUA, atualmente entre 4,5% e 5%, já está alta em relação ao histórico recente (pré-pandemia), com uma média de menos de 2% entre 2000-2019.  Com taxas de juros elevadas, mais investidores tendem a colocar dinheiro em títulos do Tesouro dos EUA do que em outros investimentos ao redor do mundo, inclusive em empresas brasileiras. Ou seja, o Real enfrenta desafios endógenos e exógenos.

Penso que se este cenário continuar, poderia pressionar o Banco Central a adotar uma postura mais ativa. Não estamos neste ponto ainda, e, de fato, nos últimos dias o Real tem voltado a se fortalecer ligeiramente contra o dólar, ficando mais ou menos em linha com a média do ano de 2024. Contudo, o mercado financeiro já deu um aviso, e agora o importante é fornecer uma resposta fiscal eficiente. Isso evidencia ainda mais a urgência de um ajuste nas contas públicas para restaurar a confiança do mercado para atrair o capital estrangeiro e operações cross-border de M&A.

Afinal, o Brasil tem os fundamentos para isso: no primeiro semestre deste ano já virou o quinto maior receptor de investimento internacional, alcançando um montante de quase US$28,5 bilhões, crescimento de quase 30% comparado com o ano anterior. Destaco ainda que outros indicadores macroeconômicos como o crescimento nominal e a taxa de empregos estão positivos.

Além disso, o país é unicamente posicionado como um grande mercado emergente com sólidas instituições políticas e regulatórias, um mercado consumidor com mais de 200 milhões de pessoas e várias vantagens econômicas em setores-chave, como agronegócio e energia, por exemplo. Ainda sob o ponto de vista de M&A, depois de uma crescente onda de negócios realizados na última década, o país tem vários segmentos mais fragmentados com boas perspectivas de crescimento comparado com países desenvolvidos. O consenso do mercado é para uma recuperação gradual no número de transações a partir do ano que vem, depois de três anos de queda no montante de negócios, mas os riscos econômicos podem ter impacto neste cenário.

Porém, parafraseando o Taleb, para ter um cenário positivo e sustentável para continuar a atrair investimentos e aquisições internacionais, a volatilidade, em especial para questões domésticas, tem de ser controlada para reduzir a impressão de “fragilidade” da economia brasileira. Afinal, investimentos internacionais são operações de médio e longo prazos e a estabilidade do ambiente de negócios é uma peça-chave na tomada de decisões.

*Adam Patterson é economista com atuação internacional e sócio da Redirection International, empresa especializada em assessoria de fusões e aquisições cross-border, com representações em Curitiba, São Paulo, Londres e New York.

 

By No Ar Comunicação

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