Decisão do TST reacende alerta se convenções coletivas podem alterar a base de cálculo da folha

Especialistas alertam que alteração da natureza de comissões pode resultar em autuação tributária

A recente decisão da 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que validou cláusula coletiva alterando a natureza das comissões pagas a empregados — de salarial para indenizatória —, reacendeu um debate complexo nas esferas trabalhista e tributária. A decisão se conecta com o julgamento do Tema 1.046 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu a prevalência do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho, desde que observados limites constitucionais e garantias mínimas.

De acordo com o advogado Decio Daidone Jr., sócio do Barcellos Tucunduva Advogados e mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP, a decisão não deve ser interpretada como um “cheque em branco” para alterar direitos trabalhistas via negociação sindical. “É possível, por meio de negociação coletiva, alterar a natureza de parcelas como as comissões, transformando-as de salariais em indenizatórias. No entanto, há limites claros: é preciso respeitar os direitos absolutamente indisponíveis, apresentar contrapartidas aos trabalhadores e considerar o impacto social mais amplo dessas decisões”, ressalta.

Segundo o especialista, a mudança pode parecer vantajosa à primeira vista — já que reduz encargos como INSS, FGTS, férias e 13º salário —, mas tende a gerar efeitos colaterais relevantes. “Do ponto de vista individual, pode haver aumento da renda líquida do trabalhador e redução do custo da folha para o empregador. Contudo, do ponto de vista coletivo, a redução da arrecadação previdenciária compromete o financiamento da seguridade social”, alerta.

O advogado também chama atenção para a necessidade de equilíbrio negocial e boa-fé objetiva nas convenções. “A empresa precisa demonstrar que a proposta oferece ganhos reais ao trabalhador. Não se trata apenas de reduzir custos. Sem proporcionalidade e transparência, a cláusula corre sério risco de ser anulada judicialmente”, conclui.

Do ponto de vista fiscal, o alerta é ainda mais direto. Para Luã Nascimento, especializado em Direito Tributário pela FGV/SPadvogado do Barcellos Tucunduva Advogados, a decisão do TST não tem o poder de alterar a base de cálculo de tributos incidentes sobre a folha. “Ainda que a legislação trabalhista admita flexibilizações por negociação coletiva, a qualificação tributária da verba não se pauta exclusivamente pelo que for pactuado entre as partes”, afirma.

A legislação fiscal se apoia no princípio da legalidade estrita, previsto nos artigos 108 e 109 do Código Tributário Nacional (CTN), que impedem que conceitos definidos em outras áreas do Direito — como o trabalhista — alterem a competência tributária. “O inciso XXIX do art. 611-B da CLT também é claro: cláusulas convencionais que impliquem a supressão de tributos são ilegais”, reforça Nascimento.

Segundo ele, mesmo com cláusula coletiva classificando uma verba como “indenizatória”, a Receita Federal pode desconsiderar essa natureza se a função for contraprestativa e o pagamento, habitual. “A Receita não se subordina a normas pactuadas entre empregador e sindicato. A adoção dessa prática pode gerar autuações fiscais relevantes, com cobrança retroativa de contribuições previdenciárias e FGTS”, explica.

O movimento, ainda que isolado, pode estimular tentativas semelhantes com outras verbas trabalhistas — e isso preocupa os especialistas. “Essa decisão do TST pode fomentar o debate sobre verbas que ainda não foram analisadas pelos Tribunais Superiores. Mas convenções particulares, mesmo coletivas, não têm o poder de relativizar os critérios legais que determinam a natureza de uma remuneração”, pontua o tributarista.

Ambos os especialistas reforçam a importância de cautela e equilíbrio. Um meio termo seria transacionar apenas os reflexos trabalhistas, preservando o repasse fiscal e previdenciário.

A negociação coletiva é um instrumento legítimo e necessário nas relações trabalhistas modernas e as empresas podem e devem se aproveitar disso, mas não deve ser usada como atalho para transacionar direito de terceiros e reduzir obrigações fiscais. “Sem responsabilidade, transparência e visão sistêmica, o acordo pode ser anulado e a empresa penalizada”, finaliza Daidone.

Fontes:
Decio Daidone Jr., sócio do Barcellos Tucunduva Advogados, é mestre em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/SP.

Luã Nascimento, advogado tributarista do Barcellos Tucunduva Advogados, especializado em Direito Tributário pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas.

 

By M2 Comunicação Jurídica
Foto: Freepik

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