Um mapeamento inédito sobre os canais de denúncia corporativos brasileiros revelou um quadro preocupante: analistas e equipes de staff aparecem como os principais denunciados por casos de assédio sexual e discriminação nas empresas. A constatação vem da pesquisa “Perfil do Hotline no Brasil 2024”, elaborada pela empresa KPMG, que ouviu 67 organizações de diversos setores econômicos.
O levantamento traça um panorama sobre quem costuma figurar nas acusações por tipo de violação. Enquanto a coordenação lidera as denúncias por má conduta em geral, gerentes e coordenadores são os mais apontados por assédio moral. O grupo de analistas e staff – que inclui equipes de apoio e funções especializadas em áreas como RH, financeiro, TI e marketing – concentra as queixas relacionadas a assédio sexual e discriminação.
O cenário reflete um problema mais amplo no mercado de trabalho: o Ministério Público do Trabalho (MPT) registrou aumento de 16,8% nas denúncias de assédio sexual no ambiente profissional, saltando de 1.281 para 1.497 casos. O crescimento evidencia a necessidade de maior atenção ao problema, incluindo a implementação de um sistema de gestão de documentos que garanta o registro e o tratamento das queixas.
Sete em cada dez casos nunca chegam ao conhecimento do RH
“A principal tarefa do canal de hotline é transmitir segurança e confiabilidade”, destaca a KPMG, apontando que o anonimato representa elemento fundamental para o funcionamento do canal de denúncias compliance. Não à toa, 85% dos denunciantes preferem não se identificar, sinalizando o persistente medo de retaliações no ambiente corporativo.
Os canais internos, no entanto, captam apenas parte das ocorrências. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva indica que 55,6 milhões de brasileiros já enfrentaram assédio, discriminação ou preconceito no trabalho, o que corresponde a cerca de quatro em cada dez pessoas. O dado mais alarmante: aproximadamente 70% dessas situações nunca chegam ao conhecimento do RH.
Entre os alvos preferenciais das violações, 30% são pessoas LGBTQIAPN+ e 29% são mulheres. Em entrevista à imprensa, a especialista Manu Pelleteiro avalia que o medo de retaliação está entre os fatores que contribuem para a subnotificação dos casos.
A disparidade de gênero é evidenciada também na percepção coletiva: 75% dos brasileiros concordam que o mercado favorece os homens. Entre mulheres, o índice chega a 78%.
Mulheres relatam discriminação em processos seletivos
As dificuldades se apresentam desde o recrutamento. O “Panorama de Empregabilidade 2025”, estudo da Sólides com a Offerwise, detectou que um em cada três profissionais (33%) enfrenta preconceito em processos seletivos.
Mulheres aparecem como as mais afetadas, com 42% relatando experiências discriminatórias, contra 23% entre homens. Os principais fatores de exclusão identificados foram etarismo (44%), classismo (27%) e padrões estéticos (26%).
O etarismo (preconceito contra profissionais mais velhos ou muito jovens) domina o ranking. A questão é corroborada por 87% dos brasileiros, que reconhecem que pessoas mais velhas enfrentam maiores obstáculos no ambiente de trabalho, percentual que atinge 93% entre pessoas com mais de 61 anos.
Canais de denúncia melhoram controles internos
As empresas têm adotado medidas para combater as irregularidades no ambiente corporativo. A rescisão contratual por justa causa é o plano de ação mais comum aplicado para assédio sexual (23%), enquanto a advertência formal ou escrita predomina nos casos de discriminação (21%).
Para além do aspecto disciplinar, os canais de denúncia têm demonstrado valor estratégico. Segundo a KPMG, 22% das empresas consultadas conseguiram detectar fraudes ainda em estágio inicial graças à ferramenta. Outros benefícios incluem a redução do risco de compliance com terceiros (11%) e a melhoria de processos e controles internos (23%).
O investimento nessa infraestrutura varia. Enquanto 21% das organizações destinam mais de R$ 60 mil anuais, 18% investem menos de R$ 24 mil. Apesar da disparidade, 77% avaliam que suas plataformas de recebimento de denúncias atendem às expectativas.
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