Estudo de Rio Claro triplica número conhecido de espécies em áreas úmidas da Amazônia
Estudo realizado por pesquisadores de Rio Claro aponta que as espécies de árvores capazes de viver em áreas úmidas é maior que o conhecido anteriormente. Na verdade, três vezes maior. Essas áreas cumprem importantes serviços ecológicos na região e estão ameaçadas principalmente pela ocupação humana nestas áreas e pela construção de barragens huidrelétricas.
A pesquisa foi publicada recentemente na revista PLOS One pelo doutorando Bruno Garcia Luiz e pelo professor Thiago Sanna Freire Silva, ambos do programa de Pós Graduação em Ecologia e Biodiversidade da Unesp. O estudo também aponta que menos de 75% do total de espécies de árvores ocorrendo em áreas úmidas tenham sido catalogadas até o momento.
O que são áreas úmidas
A grande quantidade de chuvas na bacia Amazônica, combinada com o relevo baixo e plano, ocasiona inundações anuais em grandes áreas da região. Estas áreas podem permanecer inundadas desde poucos dias até mais da metade do ano, e são conhecidas como áreas úmidas (ou wetlands, em inglês).
Na Amazônia, as áreas úmidas ocorrem ao longo das planícies fluviais dos grandes rios, ao longo de igarapés (termo indígena para pequenos rios e riachos), em pântanos que margeiam as nascentes destes igarapés, em depressões do terreno, em manchas de solos arenosos nas áreas de interflúvio (entre rios) e ao longo da planície costeira.
Diferentes tipos de áreas úmidas são reconhecidos pelas populações amazônicas, e a vegetação que se desenvolve nestes locais possui características próprias. A inundação periódica limita o desenvolvimento de muitas espécies de árvores, impedindo a oxigenação das raízes, e desta maneira a floresta que cresce em áreas úmidas termina por ser diferente das florestas crescendo em regiões de terra-firme (onde o solo não fica alagado).
O estudo
Apesar de uma menor quantidade de espécies de árvores serem capazes de colonizar ambientes inundáveis, estudos indicam que as áreas úmidas da Amazônia possuem a maior diversidade do mundo de espécies de árvores adaptadas para viver em condições de inundação. Mesmo assim, até o momento não se sabia exatamente quantas e quais espécies realmente ocorrem nas áreas úmidas da Amazônia.
Esta resposta foi dada pela pesquisa publicada recentemente pelo doutorando Bruno Garcia Luize e pelo professor Dr. Thiago Sanna Freire Silva, do programa de Pós Graduação em Ecologia e Biodiversidade da UNESP em Rio Claro, juntamente com colaboradores de outras instituições nacionais (INPE, UFRN, IDSM, UFPA). O estudo, publicado na revista PLOS One mostra, assim como esperado, que nem todas as espécies de árvores da Amazônia são capazes de sobreviver nas áreas úmidas da região. Contudo, a pesquisa também aponta que a quantidade de espécies que são efetivamente capazes de tolerar estes ambientes é bem maior do que o esperado, correspondendo a praticamente metade das mais de 6,000 espécies de árvores com ocorrência confirmada por botânicos para a região Amazônica. Os novos resultados triplicam o número de espécies de árvores anteriormente indicado como sendo capazes de ocorrem em florestas de áreas úmidas amazônicas, confirmando e identificando a alta diversidade destas florestas.
A metodologia
As informações utilizadas para realizar o estudo foram obtidas a partir de artigos científicos publicados e de registros on-line de coleções biológicas. Foram necessários cerca de dois anos revisando a literatura e compilando as informações contidas em etiquetas de coleções biológicas (através das quais é possível se identificar em que tipo de ambiente a planta foi amostrada) para alcançar o objetivo de gerar uma listagem das espécies capazes de ocorrer em florestas de áreas úmidas amazônicas.
Um forte limitante encontrado foi a alta quantidade de estudos de inventários florestais publicados em revistas científicas e que não divulgam a listagem completa das espécies que foram encontradas – cerca de um quarto (25%) dos estudos – impedindo assim a compilação das informações. Por outro lado, a digitalização das coleções biológicas e a disponibilidade destas informações em bases de dados on-line possibilitou a realização de buscas por palavras chaves que definem o ambiente de áreas úmidas na Amazônia (muitas das quais são termos empregados pelas populações tradicionais que vivem na região).
Subnotificação
Por meio de uma projeção baseada no número de registros de ocorrência de cada espécie, o estudo estima que menos de 75% do total de espécies de árvores ocorrendo em áreas úmidas tenham sido catalogadas até o momento, indicando que muito mais espécies serão conhecidas para as florestas em áreas úmidas à medida que novos inventários florestais e coletas botânicas sejam realizados na região, e realçando a importância e necessidade destes estudos.
De fato, o esforço médio de amostragem para florestas de terra firme é atualmente cerca de quatro vezes maior do que o esforço dedicado às áreas úmidas. As espécies de árvores adaptadas para o regime de inundação observado na Amazônia são únicas e merecem atenção.
Importância das árvores em áreas úmidas
São estas espécies de árvores que produzem a maior parte dos frutos que alimentam os principais peixes da região, reduzem o assoreamento dos rios, filtram a água e facilitam a recarga de aquíferos subterrâneos, além de prover valioso recurso madeireiro para as populações Amazônicas. Essas árvores também possuem um papel importantíssimo na ciclagem e no balanço de carbono da região amazônica. Contudo as áreas úmidas são particularmente vulneráveis as mudanças climáticas devido à sua estreita relação com as variações hidrológicas anuais.
Além disso, estas áreas sofrem as mais intensas pressões antrópicas na Amazônia, uma vez que a maior parte da população humana está concentrada ao longo dos rios, e recentemente tem sido fortemente ameaçadas pela construção de barragens hidroelétricas, as quais desconfiguram o pulso natural de inundação anual e tem impactos severos sobre as florestas inundáveis, tanto na área inundada pelo reservatório como por dezenas de quilômetros abaixo da barragem, ao longo dos rios. As espécies arbóreas que ocupam as áreas úmidas da Amazônia são únicas por terem adaptações para viver em um ambiente inóspito e periodicamente inundado, e uma vez que nem todas as espécies de árvores são capazes de sobreviver nestes ambientes, a extinção destas espécies ocasionará perdas irrecuperáveis para a biodiversidade Am
azônica.
Figura1: Sumaúma (Ceiba pentandra), uma das maiores árvores que ocorrem nas florestas de áreas úmidas da Amazônia, presente também em florestas da América Central. É uma árvore que tolera alagações de curto período, e não ocorrem em solos pobres em nutrientes, comuns nas terras firmes. É utilizada como “bóia” para transportar madeiras mais pesadas por vias fluviais (apenas a madeira pesada tem valor comercial), também empregada pela indústria madeireira para produzir pó de serragem em compensado. As sementes são envoltas em paina, que é utilizada em dardos por indígenas. É considerada uma planta sagrada, e utilizada para marcar território.
Figura 2: Mapa mostrando as localizações dos estudos de inventário florestal (em vermelho) e dos pontos obtidos através de dados de herbários (coleções biológicas de plantas) e disponíveis on-line (em azul), em relação aos principais rios e áreas úmidas da bacia amazônica.
Por UNESP
Imagem: Divulgação